sexta-feira, outubro 26, 2007

Mea Culpa

A propósito de um post do "Portugal, Caramba", um amigo mandou-nos um mail, nem por isso muito educado e que eu transcrevo sem vénia nenhuma porque ele não merece:


«Pá, escreveste uma coisa sobre ter o rei na barriga e não te lembraste da quadra do João? Não achas que era tua obrigação falar nele, e já agora, no Leal?»

A este «amigo», que não me autorizou a chamar os bois pelo nome (toma!), só posso dizer que pode ficar com a bicicleta: eu não conhecia esta quadra do João Bessa, como não devo conhecer duzentas mil outras que estão na colecção privada dos amigos recolectores de guardanapos, toalhas de papel e bilhetes de autocarro.

Quanto ao Zé, o José Bação Leal, eu não o conheci tão bem como este «amigo» e creio que o recente filme da senhorinha Luísa Marinho, de seu nome "Poeticamente exausto, verticalmente só» contribuirá muito mais e muito melhor para o dar a compreender.

Posto isto, e dado que o «amigo» tem razão (mesmo se eu me recuso a dar-lha) aqui fica a quadra do João Bessa:

Eu queria ser Monárquico,

mas há uma coisa que m'intriga:

haverá rei bastante,

p'ra tanto qu'o traz na barriga?

quinta-feira, outubro 25, 2007

Autofagia

Deve ser verdade que o escritor só sobre si mesmo escreve. E que, quando o tradutor é um poeta, só pode traduzir-se a si próprio.


A vida do Homem

Nove meses no fedor, depois nas faixas,

por entre crostas, beijocas, lagrimonas.

Depois à trela, na andadeira, em camisinha,

pára-turras na testa, cueiros por calções.

Depois começa o tormento da escola,

o á-bê-cê, a vergasta e as frieiras,

a rubéola, a caca na cagadeira

e um pouco de escarlatina e de bexigas.

Depois o ofício, o jejum, a trabalheira

a pensão a pagar, as prisões, o governo,

o hospital, as dívidas, a crica,

o sol no verão, a neve no inverno...

E por último - e que Deus nos abençoe! -

vem a morte e acaba no inferno.

G. G. Belli, 1833

Tradução de Alexandre O'Neill, que, por seu lado, escreveu:

O Enforcado

No gesto suspensivo de um sobreiro,

o enforcado.

Badalo que ninguém ouve,

espantalho que ninguém vê,

suas botas recusam o chão que o rejeitou.

Dele sobra o cajado.

segunda-feira, outubro 22, 2007

And the winner is...


A Gi foi tão querida que nos atribuiu este galardão:



Vamos afixá-lo aqui do lado direito logo que alguém nos ensine a fazê-lo. (1) Porque, não duvidem: não foi pelos skils informáticos que a Gi nos distinguiu. E a dizer a verdade, se motivo houve, para além da generosidade, nem fazemos ideia de qual possa ser.
E resta cumprirmos o preceito de indicar alguns blogues que valem a pena, muito mais do que o Portugal, Caramba.
Assim:
Pela singeleza que não é, de modo algum, simplória, "O Blogue que muda de nome" da Ana Gomes Ferreira.
Pelo gume da escrita, que não pelos bonecos deste vosso servidor, o "Histórias e outros escritos"
da Hainnish.
Pelo empenho e pelo rigor, "A tertúlia do Pirilampo" da Ana e da Moonoom.
Pela inveja que me fazem os seus cadernos de viajante, o "Diário Gráfico" do Eduardo Salavisa.
Falta um, não falta? Contentemo-nos com a riqueza dos links que estes nos oferecem.
A seu tempo nomearemos o quinto, se coisa diversa entretanto não decidirmos.
(1) Como se pode ver, graças à colaboração da Ana Gomes Ferreira, do "Em busca", já lá se encontra.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Para que servem as toalhas de papel nos restaurantes?

Para as mais variadas coisas, claro. A principal é fazer rabiscos, distraídamente, enquanto se saboreia a aguardentezinha, o charuto e um pedaço de boa prosa.

Não sei se no tempo em que o Stuart andava pelas tabernas a desenhar varinas com um pau de fósforo queimado, já os taberneiros as estendiam sobre o mármore das mesas. O que sei é que, se as houvesse e em vez do ordinário papel reciclado, se usassem folhas de 300 gramas, grão fino e 100% algodão, nem vos conto o salto que as artes teriam dado em Portugal. E que centros artísticos se teriam formado na Espelunca, ao lado do Liceu Camões ou mesmo na Suprema e no Vává, alí à Estados Unidos. Ou mesmo um pouco por todo o lado.
Em calhando, digo eu.

sábado, outubro 13, 2007

Concha y Toro, 1981

Malvada garrafa! A culpa não foi tua, eu sei. Mas, com seiscentos mel diabos! Porque é que não duraste mais uns meses? Mais uns anitos? Havias de estar soberba, o teu néctar naquele castanho escuro-avermelhado, translúcido e aromático, delicado e poderoso, aveludado e com um corpo grácil e feminino que quase se pode tocar, com a ponta erótica da língua!

Teríamos erguido os nossos copos aos tribunais chilenos que, enfim, acusam de ladroagem e desvio de dólares, locupletação e aproveitamento, ao velho ditador que os caldeirões do Inferno o tenham em óleo rançoso a ferver.
Teríamos voltado a encher os copos e a brindar, desta vez aos tribunais argentinos que ousaram, sim, ousaram condenar a prisão perpétua - quer dizer, até que o diabo o carregue - o Padre Cristiano, torturador, assassino e, como o tribunal decidiu, sequestrador.
"Dios sabe que era para bien del país!", disse ele em tribunal.
Para bem do país? Mas como? O país não é também aquele gente que se torturou e se fez desaparecer?
A Igreja argentina já pediu "perdão com arrependimento".
Teríamos bebido à Igreja argentina pelo seu arrependimento. Mas ficaríamos à espera de uma lei canónica, dimanada do Vaticano, que dissesse claramente:
"Nenhum cristão, sob pena de excomunhão, banimento e desprezo mais completo, fará jamais mal algum ao seu irmão, seja qual for o pretexto, político, religioso, militar, étnico ou ético."
A esse canon, sim, teríamos despejado galhardamente toda a garrafa e mais que fosse. E já muito bêbados, se calhasse, entoaríamos muito sérios o
"Queremos Deus,
ao Pai Supremo!
Queremos Deus
ao Redentor...
Zombam da fé
os insensatos,
Erguem-se em vão
contr'ó Senhor...
Da nossa fé ó Virgem,
o brado abençoai.
Queremos Deus que é nossa fé,
Queremos deus
que é nosso Pai..."
Respeitaríamos a nossa divindade e os Seus representantes na Terra enquanto, balançando-nos ao som do Queremos Deus, exibíamos a nossa bebida, tu, Concha y Toro, 1981.
"taritata-ta-titata...
Taritati-ta-ta-tatáaa!"
Mas tu, pobre e honesta garrafa, Concha y Toro, 1981, preferiste morrer. Um bom vinho, tem, antes de mais, o horror à hipocrisia.
Que dizer, senão em respeitoso recolhimento, paz à tua alma? Que no Paraíso, onde os vinhos honestos serão acolhidos com as honras devidas aos benfeitores da humanidade, tu te multipliques em muitos e muitos barris para gáudio dos bem aventurados.
Amen.

sábado, outubro 06, 2007

Como está crescido!

Este blog começou, faz hoje um ano, no dia 6 de Outubro de 2006.
E já recebeu os parabéns da Ana (clique para ver).
Nós agradecemos e acrescentamos um desenho descaradamente comemorativo.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Free Burma


Esta Senhora chama-se Aung San Suu Kyi.
É prémio Nobel da Paz, mas não é por isso.
Outros já o receberam e, se o mereceram, então também a Academia Sueca os merecia a eles.

Tem um rosto.

Margareth Tatcher, Madeleine Albraigt, Hillary Clinton têm caras. Suu Kyi é diferente.


Já vi rostos como o de Suu Kyi. Não muitos.
A Audrey Hepburn, por exemplo.
Lembram-se do seu rosto, vincado pelos anos, muito longe já da ingénua Natacha de Guerra e Paz? Lembram-se daquele corpinho frágil, devorado, intenso e sereno?

E tão bonita, no entanto.

Teria os seios caídos, magros, esvaziados. A pele, na barriga far-lhe-ia pregas descendentes. O cancro devorava-lhe já as parcas entranhas.

E tão bonita, no entanto.

Quando penso em Free Burma, é em Aung San Suu Kyi que penso. Quero-a livre, a passear pelas ruas de Rangoon, que imagino semeadas de pequeninas lojas e muitas, muitas casas de chá. Para viver serena e apaixonadamente. Para viver como quiser.

Burma? Então não era a Birmânia?

Free Burma!

terça-feira, outubro 02, 2007

O Rei na barriga?

Disclaimer ou coisa que se pareça: este grunho aqui em cima não é o senhor que se poderia pensar, mas como esse tal, que não é este, está de luto, não se diz mais nada.