sexta-feira, maio 31, 2013

Quando os Domingos calham à Terça-feira.


Alguém no seu perfeito juízo gosta do mês de Março?
Excluindo o facto de que é nele que a Primavera começa, mas quase no fim, o que resta é que é o mês em que se tem de fazer a declaração do IRS. Eles, lá nas Finanças sabem tudo, cruzam os dados todos, mas a gente tem de lá ir à mesma declarar quanto ganhou, quanto nos retiveram por conta, o que gastámos na farmácia e nos juros da casa, quanto demos de pensão ao nosso filho - coisa que eles já sabem porque foi determinada no tribunal.
E nem penses em declarar aquilo que combinaste com a tua mulher, civilizadamente, sem ser preciso que a lei, por intermédio de um façanhudo tribunal te condene.
Não: assim não conta.
E já viram aqueles impressos?
Se preencheu a casa 716 preencha a 139.
Casa 830: Declaração de rendimentos obtidos no estrangeiro nos termos do artigo 26 do Decreto-Lei 206/1997, na redação do Decreto-Lei 928 de 1999.
Parecem feitos de propósito para algum amador de charadas ou, quem sabe, para aqueles serviços de criptografia que os exércitos acham indispensáveis.
Mas não para nós que padecemos sob o Março mais antipático de que há memória.   
Eu já não gostava muito do provérbio, o tal de «Março marçagão, de manhã cara de gente, à tarde focinho de cão».
É claro, «cara de gente» acho bem aplicado; se acharmos que o Gaspar e o Passos têm cara de gente, então sim, justifica-se a chuva continuada, o granizo e a ventania que tem soprado por aí. É como se a Natureza entristecida tivesse vestido o luto por nós, pobres diabos que nos arrastamos pelas esquinas sem dinheiro para ir beber uns copos e com lama até aos cotovelos.
À tarde, porém, onde foi parar o «focinho de cão»? O meu cão, pelo menos, tem um focinho bem simpático. As tardes deste malfadado mês, essas não: mais parecem, sei eu lá, a claque de um clube de futebol quando ele perde com o Belenenses.
Mas não é só mau tempo.
A política neste mês de Março também parece que descambou, não em tempestades, quem nos dera, mas em bátegas sucessivas, «ai vais às compras? Toma lá uma carga de água para aprenderes!» «Vais para Guimarães? Pois vai chover todo o caminho.» «Ias de férias? Eu se fosse a ti não ia.»
Na política tem sido mais ou menos a mesma coisa.
Voltou o Pinto de Sousa, vulgo o Sócrates que se licenciou ao Domingo, o Relvas disse outra das dele, Chipre abriu falência e o PS, depois de votar contra a recomendação do PCP, apresenta uma moção de censura ao Governo. O Banco de Portugal, para não lhes ficar atrás, fixa o défice do ano passado em 6,4 por cento.
Irra! Já chegava.
Mas não, nem pensem.
Repararam que o mês de Março acaba num Domingo,dia 31?
E que 30 é Sábado?
Ora, sendo 29 Sexta-feira Santa, feriado portanto, o prazo para apresentar a declaração do IRS acabou na Quinta-feira, 28, no quarto dia antes do fim do mês.
Quando reparei, apressei-me a preencher os quadrados todos, a casa 716 e a 821 e fui a correr, estrada acima, até ao balcão ali da vila.
E uff! Cheguei a tempo, mesmo com as contas feitas à pressa, com a vaga esperança de que sendo Domingo o último dia do prazo, este passasse para a Segunda-feira seguinte como eu sabia que a lei determina.
- Não! - declarou perentório o funcionário. - Isso é só quando o prazo é «até ao dia qualquer coisa». Se for «durante o mês de Março», acabou-se o mês, acabou-se o prazo.
- Então, mas os Marços têm todos trinta e um dias. Se o prazo é no mês de Março, é até ao dia trinta e um.
- Não senhor. É até ao último dia útil do mês. Mas se não quiser, pode apresentar pela Internet.
Eu deveria ter-lhe replicado rancorosamente que não, que a Internet era eu que a pagava e que ele, funcionário, era pago pelo Estado. E que se eu e outros como eu não fôssemos lá ao balcão uma vez por outra, ele ia parar à Mobilidade Especial, com 35% do ordenado a depois, zás: Requalificação em desempregado para aprender.
Mas não.
Em vez disso, fiquei ali parado, a odiar a boa educação que a Senhora minha Mãe me deu e a perguntar a mim mesmo:
- Mas, por onde raio andam os bombistas suicidas?
Infelizmente, concluí, essa gente é toda a mesma: nem bombistas, nem canalizadores, nem táxis em dia de chuva. Nunca aparecem quando fazem mais falta, não é?
 
 

sábado, maio 25, 2013

Avaros de todo o mundo

Falando com franqueza, não vale a pena sofismar: a Direita governa esta coisa a que chamamos Democracia desde o 25 de Novembro de 1975 - pelo menos.
O Mário Soares, aliado ao Carlucci, embaixador do Presidente Reagan, fez uma opção clara: as indemnizações às vítimas das nacionalizações, desocupações de herdades e empresas que tinham sido abandonadas pelos proprietários, a autorização para a reconstituição de grupos como os Melo, tudo isso, se expulsou definitivamente o Partido Comunista da área do poder, teve como contrapartida amarrar o Partido Socialista à direita mais oportunista.
Maçonarias, Opus Dei ou sabe-se lá o quê, Rotários, Associações de Ciclistas e a Mão Negra (para não falar da Cabala) foram fazendo o resto. A Direita é o «arco governativo», Regeneradores e Progressistas deste rotativismo parlamentar e governativo em que os grandes gestores e os grandes administradores vão sendo sempre os mesmos.
Obviamente, na direita nem tudo são rosas.
As diversas fações que se vão alternando no poder digladiam-se pelas razões lá dela própria, mas os golpes e contra golpes, as espadeiradas pela frente ou as punhaladas pelas costas, nunca vão demasiado fundo.
O arguido é condenado a um ano, com pena suspensa, aguarda com a pulseira eletrónica ou recorreu à espera da prescrição. No final acaba por se safar porque Direita não se esfrangalha a si própria: mesmo sem serem leais, as refregas têm árbitros.
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Para começar e porque vai a votos, tem como árbitro primeiro a opinião pública. As sondagens mudam os discursos e obrigam a disfarçar as obras. Encomendam-se entrevistas às televisões, a serem conduzidas pelos apresentadores mais mediáticos, mandam-se comunicados, em último caso muda-se um ou outro ministro.
A necessidade de se perpetuar no poder ou, pelo menos, adiar a queda e dar tempo aos apaniguados para ficarem menos mal na vida, obriga a contorções dignas do Plastic Man, o Borracha das histórias aos quadradinhos da nossa infância.
(Se não são desse tempo, não sabem o que perderam, digo eu.)
 
File:Plastic Man 17.jpg
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Mas, adiante.
Os árbitros segundos são as empresas.
Os seus administradores, que são ao mesmo tempo os Barões dos diversos partidos, porventura ex-governantes e conselheiros dos actuais ministros, estão sempre uns com os outros. Aproveitam alguns momentos de conversa à margem das reuniões dos concelhos a que pertencem, encontram-se em jantares em casa uns dos outros ou de uma Tia velha,  nos Spas ou em lugares de menos confessável natureza - mas que davam um romance ao Stieg Larson se ele não tivesse já falecido. E nesses encontros, as coisas vão sendo combinadas, distribuídas, os lugares tenentes e os testa-de-ferro recompensados.
A Direita partilha. A Esquerda não.
A Direita recebe o pão e dá as côdeas ao capataz que lho trouxe.
Mas partilha.
E mantem presa à esperança toda uma coorte de invejosos úteis a quem as côdeas entretêm enquanto esperam pelo jantar.
Umas vezes a comida vem.
Outras não.
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O poder e o dinheiro andam, na Direita, demasiado unidos, entrelaçados, no bolso um do outro, como se o conteúdo contivesse o continente que contem o conteúdo que contem...
E é assim que o dinheiro, a Banca e as grandes sociedades financeiras acabam por ser o último dos árbitros. Se uma coisa não dá dinheiro, se não dá o poder que dá o dinheiro, a espiral está em perigo, alto lá! Os meninos portam-se bem, se não, cartão vermelho e rua! Saem de jogo. 
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Na Esquerda não.
Primeiro porque não há dinheiro. Ou vai havendo, mas nunca tanto que possa ser partilhado. As estruturas partidárias ou sindicais, as acções de propaganda, os eventos consomem-no todo e ainda falta. Os militantes, em vez de receberem, contribuem.
O que a Esquerda tem é um pouco de poder, o poder que lhe conferem aqueles que não querem ou não podem aceder ao dinheiro: alguma influência eleitoral, meia dúzia de lugares aqui ou ali, cada vez menos, na Administração Pública, no Parlamento, em Escolas ou na Universidade, em Sindicatos.
E torna-se avara.
Cada capelinha, cada grupo de amigos ou tão só de cúmplices, intriga, elege e faz-se eleger, representa e abarbata o que pode desse poder que é, no mais das vezes, apenas o de negar, de parar, de encravar e não deixar andar para a frente. Como o do funcionário no guichet que nada mais pode senão servir de escolho aos mareantes.
Aos descontentes nada mais resta.
Separam-se, sectarizam-se e formam grupúsculos. Levam consigo os pedaços do poder que conseguiram amealhar e por lá ficam, seja onde for que foram ter. E divisionistas são sempre os outros.
Voltar a unir-se significaria partilhar o bocadinho de poder que se tem, juntá-lo ao bocadinho de outros, perder agora para participar num poder maior, mais amplo, mais eficiente, e quem sabe, ganhar no fim.
Avaros de todo o mundo, uni-vos!